quarta-feira, 4 de junho de 2008

À maneira do heterómino Álvaro de Campos

À maneira do heterómino Álvaro de Campos

Rodo a torneira

Ela cai, desamparada, bem quente

Bem quente, escalda a epiderme

E já me queima, me ferve o sangue

E então?

Só o choque com o extremo

Me consegue consolar

Só assim me adormece, me aquece e faz esquecer

Os tremores gelados, o reflexo do pensamento

Que também tremelica

E simula um abraço quente de que preciso

O que bastava para me sossegar

Enquanto me envolve

Talvez me limpe por segundos

E me abstraia o palco atafulhado da minha mente

Apertado, no qual as personagens

Já tropeçam nas preocupações contornáveis

Por ali espalhadas

Para a água circundante

Lanço olhares rígidos

Observo-a tão fugaz e igual a si mesma

Peço-lhe que me limpe os pesos da alma

Se ao menos eles se desprendessem

Com um mero sacudir da cabeça,

Caíssem e se afogassem,

E corressem com ela, a uma velocidade tao despachada

Numa fuga sem retorno

Talvez aí a palavra “banho”

Ganhasse novo significado

E a pureza não se cingisse só ao que é palpável

Ah se pudesse desintoxicar

As frases que ecoam na mente

Numa breve cirurgia removesse

O que é maligno

Descarregar so um pouco, mas que seria tanto

Esta caixa acorrentada e inconfortável

E assim, ver de longe afundar

Os contaminados sentimentos que

Por aqui me ferem

Ela continua a correr

Alheia ao que penso dela

Ao pedido que lhe faço

Não me ouve, tão pouco precisa

Dos pesados pensamentos, que lhe regateiam

Não os quer,

Quer correr veloz, sem entraves

Fico com eles, pois a mim estão bem pregados

E como graves parasitas não irão descolar.

Vejo-lhe os últimos resquícios,

Parece até esboçar um copioso sorriso

Por se ver livre de mim

Como foge das latejantes

Lamúrias de mim.

Andreia Silva, nº6 – 12ºK

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