À maneira do heterómino Álvaro de Campos
Rodo a torneira
Ela cai, desamparada, bem quente
Bem quente, escalda a epiderme
E já me queima, me ferve o sangue
E então?
Só o choque com o extremo
Me consegue consolar
Só assim me adormece, me aquece e faz esquecer
Os tremores gelados, o reflexo do pensamento
Que também tremelica
E simula um abraço quente de que preciso
O que bastava para me sossegar
Enquanto me envolve
Talvez me limpe por segundos
E me abstraia o palco atafulhado da minha mente
Apertado, no qual as personagens
Já tropeçam nas preocupações contornáveis
Por ali espalhadas
Para a água circundante
Lanço olhares rígidos
Observo-a tão fugaz e igual a si mesma
Peço-lhe que me limpe os pesos da alma
Se ao menos eles se desprendessem
Com um mero sacudir da cabeça,
Caíssem e se afogassem,
E corressem com ela, a uma velocidade tao despachada
Numa fuga sem retorno
Talvez aí a palavra “banho”
Ganhasse novo significado
E a pureza não se cingisse só ao que é palpável
Ah se pudesse desintoxicar
As frases que ecoam na mente
Numa breve cirurgia removesse
O que é maligno
Descarregar so um pouco, mas que seria tanto
Esta caixa acorrentada e inconfortável
E assim, ver de longe afundar
Os contaminados sentimentos que
Por aqui me ferem
Ela continua a correr
Alheia ao que penso dela
Ao pedido que lhe faço
Não me ouve, tão pouco precisa
Dos pesados pensamentos, que lhe regateiam
Não os quer,
Quer correr veloz, sem entraves
Fico com eles, pois a mim estão bem pregados
E como graves parasitas não irão descolar.
Vejo-lhe os últimos resquícios,
Parece até esboçar um copioso sorriso
Por se ver livre de mim
Como foge das latejantes
Lamúrias de mim.
Andreia Silva, nº6 – 12ºK
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