terça-feira, 15 de abril de 2008

Texto construído com excertos de contos de Calvino lidos na aula

(CONVERSAS, talvez, DISPARATADAS, para quem ainda não aprendeu a andar no telhado) – EXCERTOS DOS CONTOS DE ITALO CALVINO.


(Nota: os sublinhados são as únicas partes do texto que não foram retiradas dos contos)



Empoleirado no telhado estava o general, num prédio cujo primeiro andar alojava uma enorme biblioteca, achado e perdido no mesmo instante.

Todos os que passavam pela rua estão a mil milhas de pensar

-Está um belo dia. –disse o general ao homem ao lado.

-Desculpe. Tem o sapato desatado.

-Quem mora aqui?

-Não sei dizer-lhe. Ele matava quem calhasse.

Contra sua vontade, continuou a sentir aquele mal estar.

-Olhe. Ainda está desatado.

Era como um olho que não o perdia de vista. Como olhos de alemão! Com movimentos lentos, retomaram a marcha pelo telhado. E agora avançavam com agressiva segurança. Não! Vão cair! Não conseguia livrar do coração essa dúvida.

Pedaços de céu azul endireitavam as moles nuvens.

-O irmão de Pietro tinha morrido num campo de concentração. – Disse-lhe, de repente - Foi o fim da nossa miséria.

-Ele chamava-se Pietro?

-Sim. – E a primeira coisa que lhe saltou à memória foi - Uma vez ele gritou do alto da colina, por baixo da minha janela, em línguas de um incêndio incolor: Se não mato o Alberto, matei muita gente para nada! Dizem que era estrangeiro.

-E depois?

-E depois, sem perder tempo, voltamos a jogar ao mata.

-Não havia nada a fazer?

-Não há.

-Não compreendo ... então não se importam que os matem?

-Matou todos menos o Alberto, não entende isso?

-Mas o tipo podia procurar o inimigo que lhe apetecesse?

-Não tivemos coragem para sermos nós mesmos e impedi-lo. Para isso teríamos de enfrentar lenços que as empregadas, emocionadas, deixavam cair do quarto andar. Foi mais ou menos isso. Eu tive de deixar o cavalo no corrimão e continuar a pé.

-Acamparam na biblioteca? Dizem que os livros contêm opiniões contrárias ao prestígio militar.

-Não. Quem disse isso?

-O soldado Tomás.

-O Tomás... ele lia em voz alta para um companheiro analfabeto... – o general continuava a apanhar recordações. Quem pode ler o que vai no coração dos chefes? – Finjo não pensar nisso... –e ficou quieto, a olhar fixamente as trevas.

Há vento. Recortando as sombras do telhado, um regimento dos céus avançava todo empertigado. Está uma bela noite e o céu é atravessado por mísseis. Os jardineiros andavam a regar o jardim, murmuram:

-O que peço ao duche é que me confirme como senhor da água.

A mangueira. O duche das flores.

-Estou alegre. – Continuava o general. O homem ao seu lado não percebeu. - É o sinal da profecia. Quando os frutos estão maduros, colhem-se.

-Como as profecias?

-Sim. E recomendo-lhe esta: Vamos pagar aos pobres, para roubarem por nossa conta. De vez em quando uma ou outra altercação... Honesto só houve esse tal, Pietro, que morreu de fome.

-Assim os ricos ficam cada vez mais ricos, e os pobres cada vez mais pobres! Por que morreu Pietro de fome?

-Porque ele deixava roubar tudo, e ele não roubava nada. Só assim ficaria bem com a sua consciência.

Silêncio.

-Creio que o carácter das pessoas depende da retrete...

Amanda Baeza

12ºJ nº3

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