terça-feira, 15 de abril de 2008

Texto construído com excertos de vários contos de Calvino

Bernardo Castro

Nº: 9

Turma: 12º J

A luz iluminava desordenadamente a minha terra plantada à beira-mar, onde recortando as sombras, a leve e inexplicável perturbação nocturna ia-se dissipando de bairro em bairro num incêndio incolor. Aos primeiros alvores da madrugada, abria-se a cidade espantosa e límpida numa insólita animação, onde baloiçam eléctricos dia e noite. As nuvens empalideciam no horizonte por entre a mistura dos bigodes de fumo vertidos pelas chaminés.

Lanço gritos mas ninguém me ouve, é o silêncio absoluto por entre o caos, nem mesmo a mulher que cantava numa janela em frente ao meu prédio dava conta. Parei e pestanejei. Não era nada, nada mesmo o espelho do bom tempo primaveril, ideal para as famílias hibernadas no rígido Inverno compreenderem a importância de um calmo Março.

Não posso deixar a escuridão e o sono invadirem o meu quarto de novo e que tudo lá fora seja noite serena coberta de astros e cometas.

Era uma cidade encolhida de vai vem, é um encaixe de cheios e vazios, achados e perdidos no mesmo instante, onde cada coisa é consequência de outra. Deveria ter pensado isso antes, mas agora já é tarde para regressar à minha aldeia onde correm corpos celestes e onde não sinto cada dia que passa estar a viver no meio do declínio. Mas nem tudo é mau, as cores ardem à vista num mundo tão interessante citadino, mesmo nas manhãs de Outono, em que o clima não está propenso e o céu acabado de se raiar de pequenos flocos de nuvem, consta a incerteza pelo depois. É esta a mensagem que me alerta e desperta para o bom e mau. Atravesso as frias salas, apinhadas de livros a que só os ratos têm acesso, é como uma floresta que em vez de desbastar se tornava cada vez mais emaranhada, mas não me preocupava, apenas me interessa chegar ao lavatório e lançar a primeira chapa de água para acordar os meus olhos de sono. Assalta-me que a abundância que chapinho ao longo anos se acabe, como as horas que passo num bar que pouco a pouco se vai desvanecendo e todos regressam ao seu trabalho, esperando algo que não estava escrito.

Andava pela cidade farejando o vento e por entre a multidão indiferente, palavras de todos os dias germinavam sem esforço. Os meus olhos grandes, frios e líquidos viam gestos de saudação, irónicos comentários, soldados mundanos destilando suor, livros de opiniões contrárias ao difundido, porém tudo o que é real é racional, de outro modo deixara-me ir abaixo até ao desespero, por entre esquemas na cabeça e hipocrisias. Prefiro ignorar, só assim ficarei bem como a minha consciência e as pessoas continuarão a marcha nas pontas dos pés esquecendo que algum dia estas questões foram possíveis.

Odiava o que tinham sido, não o que são agora e por entre olhos de alguém que já vi mas não me lembro de quem são, fico aqui, sentado ao ouvir bater do último portão de recolha.

Apurava o ouvido com um certo medo da solidão, mas continuarei a passear sozinho ao acaso. Os únicos companheiros da longa jornada, trabalham de noite naquela rua isolada, paralela à vida que prosseguia sem pobres e ricos, apenas humanos que em mãos um tanto incertas carregam em botões de casacos que vão cobrindo a noite rígida. Esquecem-se que os ricos ficam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, onde prepotências e abusos andam nas estradas das proibições que vêm umas atrás das outras.

Sentia-me o único homem livre, capaz de matar o inimigo tempo ou quaisquer indiferentes motivos dos demais.

Se algum dia corrigir tal sociedade, teria de fazer ouvir, tinha de fazer frases curtas, mas mesmo assim tenho a sensação que às minhas perguntas a qualquer dirigidas, iria sempre os outros errantes responder, nunca chegando a ouvir a voz dos sábios.

Depois da minha morte, alguém deverá ficar a chamar, mas não creio que ela, a certeza, está na casa que procuramos. Mas se algum dia encontrar, antes de morrer, irei contar até 100 e se este silêncio continuar irei correr com ela e roubarei a essência, pois na verdade continuaremos a ser ladrões.



* as expressões sublinhadas são do aluno, as outras foram sendo reunidas ao longo da leitura dos contos feita na aula, durante o segundo período.

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