quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Continuação da visita de estudo à Lisboa Pessoana- MIRADOURO DE SANTA CATARINA


A professora Cesaltina, de História da Cultura e das Artes
ULISSES
O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo
O corpo morto de Deus,Vivo e desnudo. Este, que aqui aportou,
por não ser existindo.Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou. Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade.
E a fecundá-la decorre.
Embaixo, a vida, metade
De nada, morre.
Mensagem, Fernando Pessoa

D. SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL
Louco, sim, louco, porque quis grandeza/Qual a Sorte a não dá.Não coube em mim minha certeza;/Por isso onde o areal está/Ficou o meu ser que houve, não o que há. Minha loucura, outros que me a tomem/Com o que nela ia.Sem a loucura que é o homem/Mais que a besta sadia,/Cadáver adiado que procria?
Mensagem, Fernando Pessoa

"Nós outros sem a vista alevantarmos Nem a mãe, nem a esposa, neste estado, Por nos não magoarmos, ou mudarmos Do propósito firme começado, Determinei de assim nos embarcarmos Sem o despedimento costumado, Que, posto que é de amor usança boa, A quem se aparta, ou fica, mais magoa. 94 - ( O velho do Restelo ) "Mas um velho d'aspeito venerando, Que ficava nas praias, entre a gente, Postos em nós os olhos, meneando Três vezes a cabeça, descontente, A voz pesada um pouco alevantando, Que nós no mar ouvimos claramente, C'um saber só de experiências feito, Tais palavras tirou do experto peito: 95 —"Ó glória de mandar! Ó vã cobiça Desta vaidade, a quem chamamos Fama! Ó fraudulento gosto, que se atiça C'uma aura popular, que honra se chama! Que castigo tamanho e que justiça Fazes no peito vão que muito te ama! Que mortes, que perigos, que tormentas, Que crueldades neles experimentas!
Os Lusíadas, Luís de Camões
Teresa, Maria, Pedro lêem
«O Tejo ao fundo é um lago azul, e os montes da Outra Banda são de uma Suíça achatada. Sai um navio pequeno - vapor de carga preto - dos lados do Poço do Bispo para a barra que não vejo. Que os Deuses todos me conservem, até à hora em que cesse este meu aspecto de mim, a noção clara e solar da realidade externa, o instinto da minha inimportância, o conforto de ser pequeno e de poder pensar em ser feliz.»
(Livro do Desassossego: Composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa / Fernando Pessoa)

Leitura por João

(...) Ah, todo o cais é uma saudade de pedra! E quando o navio larga do cais E se repara de repente que se abriu um espaço Entre o cais e o navio, Vem-me, não sei porquê, uma angústia recente, Uma névoa de sentimentos de tristeza Que brilha ao sol das minhas angústias relvadas Como a primeira janela onde a madrugada bate, E me envolve como uma recordação duma outra pessoa Que fosse misteriosamente minha. (...) -
Álvaro de Campos – Ode Marítima (Orpheu, 1915)


(...) Ah, todo o cais é uma saudade de pedra! E quando o navio larga do cais E se repara de repente que se abriu um espaço Entre o cais e o navio, Vem-me, não sei porquê, uma angústia recente, Uma névoa de sentimentos de tristeza Que brilha ao sol das minhas angústias relvadas Como a primeira janela onde a madrugada bate, E me envolve como uma recordação duma outra pessoa Que fosse misteriosamente minha. (...) - Álvaro de Campos – Ode Marítima (Orpheu, 1915) «O Tejo ao fundo é um lago azul, e os montes da Outra Banda são de uma Suíça achatada. Sai um navio pequeno - vapor de carga preto - dos lados do Poço do Bispo para a barra que não vejo. Que os Deuses todos me conservem, até à hora em que cesse este meu aspecto de mim, a noção clara e solar da realidade externa, o instinto da minha inimportância, o conforto de ser pequeno e de poder pensar em ser feliz.»
(Livro do Desassossego: Composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa / Fernando Pessoa)



O MOSTRENGO
O mostrengo que está no fim do mar/Na noite de breu ergueu-se a voar;/À roda da nau voou três vezes,/três vezes a chiar,/ E disse: «Quem é que ousou entrar/Nas minhas cavernas que não desvendo,/Meus tectos negros do fim do mundo?»/E o homem do leme disse, tremendo:/ «El-Rei D. João Segundo!»/«De quem são as velas onde me roço?/De quem as quilhas que vejo e ouço?»/Disse o mostrengo, e rodou três vezes,/ Três vezes rodou imundo e grosso./«Quem vem poder o que só eu posso,/Que moro onde nunca ninguém me visse/E escorro os medos do mar sem fundo?» E o homem do leme tremeu, e disse:/«El-Rei D. João Segundo!»/Três vezes do leme as mãos ergueu,/Três vezes ao leme as reprendeu, E disse no fim de tremer três vezes:/«Aqui ao leme sou mais do que eu:/Sou um povo que quer o mar que é teu;/E mais que o mostrengo, que me a alma teme/ E roda nas trevas do fim do mundo,/Manda a vontade, que me ata ao leme,/El-Rei D. João Segundo!» Fernando Pessoa in Mensagem Tão grande era de membros, que bem posso/Certificar-te que este era o /Rodes estranhíssimo Colosso,/um dos sete milagres foi do mundo./Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso,/Que pareceu sair do mar profundo./Arrepiam-se as carnes e o cabelo,/A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!/
41«E disse: "Ó gente ousada, mais que quantas/No mundo cometeram grandes cousas,/Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,/E por trabalhos vãos nunca repousas,/Pois os vedados términos quebrantas/E navegar meus longos mares ousas,/Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,/Nunca arados de estranho ou próprio lenho;[…]
«Mais ia por diante o monstro horrendo,/Dizendo nossos Fados, quando, alçado,/Lhe disse eu: "Quem és tu? Que esse estupendo/Corpo, certo, me tem maravilhado!"/A boca e os olhos negros retorcendo/E dando um espantoso e grande brado,/Me respondeu, com voz pesada e amara,/Como quem da pergunta lhe pesara:/
50"Eu sou aquele oculto e grande Cabo/A quem chamais vós outros Tormentório, […] "Oh! Que não sei de nojo como o conte!/Que, crendo ter nos braços quem amava,/Abraçado me achei cum duro monte/De áspero mato e de espessura brava./Estando cum penedo /, junto dum penedo, outro penedo! […] 59"Converte-se-me a carne em terra dura;/Em penedos os ossos se fizeram;/Estes membros, que vês, e esta figura/Por estas longas águas se estenderam./Enfim, minha grandíssima estatura/Neste remoto Cabo converteram/Os Deuses; e, por mais dobradas mágoas,/Me anda Thetis cercando destas águas."
60«Assi contava; e, cum medonho choro,/Súbito de ante os olhos se apartou./Desfez-se a nuvem negra, e cum sonoro/Bramido muito longe o mar soou.[…]
Os Lusíadas, de Luís de Camões




Ana lê
[…]
Outra vez te revejo, Cidade da minha infância pavorosamente perdida... Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui... Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei, E aqui tornei a voltar, e a voltar. E aqui de novo tornei a voltar? Ou somos todos os Eu que estive aqui ou estiveram, Uma série de contas-entes ligados por um fio-memória, Uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim? Outra vez te revejo, Com o coração mais longínquo, a alma menos minha. Outra vez te revejo - Lisboa e Tejo e tudo -, Transeunte inútil de ti e de mim, Estrangeiro aqui como em toda a parte, Casual na vida como na alma, Fantasma a errar em salas de recordações, Ao ruído dos ratos e das tábuas que rangem No castelo maldito de ter que viver...
Lisbon revisited (1926), Álvaro de Campos











Nenhum comentário: