quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Reflexos de água salgada numa Mensagem.

“Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosse nosso, ò mar!”

Luís de Camões. Fernando Pessoa. Personagens de séculos diferentes. Diferentes, com uma obra igual. Ou similar. Ou com a mesma raiz. Enfim. É incrível como o passado se repete no futuro. Se reflecte. Obras que se completam, e ao mesmo tempo, que têm coração próprio. Uma pode considerar-se a introdução e o desenlace. A outra o desenlace e o fim. De uma história em particular: a História de Portugal. Ou melhor, de uma crença: o Quinto Império.

Camões escreve uma esperança. Pessoa um sonho.

Camões sonha o nascimento de uma glória. Pessoa acorda uma utopia.

De um futuro império. De um império espiritual.

Ambos lamentam o presente.

Estas obras são Os Lusíadas e a Mensagem.

Uma a Epopeia. A outra a epopeia. Uma foi vacinada pelo classicismo. A outra brotou no meio do modernismo. Uma tem proposição, invocação, dedicatória e narração. A outra está fracturada em menos partes, mas não é invejosa: Brasão, Mar Português e O Encoberto. O nascimento, a realização e a morte d’A Mensagem. E, riscado com tinta invisível, a ressurreição. Seria o quarto membro do livro (ficaria, então, com as mesmas divisórias, quantitativamente, d’Os Lusíadas). Um capítulo aparte. E aparte deste parágrafo também.

Embora sejam puzzles com diferente número de peças, ambas têm o mesmo desenho. E o que é que ilustram? Dum lado, uma árvore enorme, com todas as suas raízes, ramos, folhas, frutos e flores. E galhos secos. A História de Portugal. Desfile de Heróis, históricos ou não, e Lendas. O Nascimento. O Início. Da Narração.

Alimentándo-a, uma mancha cristalina, de todas as cores possiveis: um espelho do céu, salgado. A própria vida. A morte. A Viagem de Vasco da Gama. Os Descobrimentos. A Aventura. O Apogeu. A Realização. O Desenlace.

Surgindo do mar, uma luz, que não é visível, envolta em névoas. Um Quinto Império. O Quinto Império. Num, o bebé que Camões deixou. No outro, o velho que Pessoa apontou. O fim da Viagem. As Energias Gastas. A Conclusão.

O mesmo quadro. Parecem iguais. No entanto, são semelhantes. Repara. O pintor não é o mesmo. O traço, num, é mais colorido, no outro é mais enevoado. São semelhantes. Não iguais.

Isto é. Camões viveu a infância da crença do Quinto império. Pessoa alimentou-se já de um fruto maduro. Passou do mito terreno para o espiritual.

“Uma a Epopeia. A outra a epopeia”. Dizer que Os Lusíadas é uma epopeia, é simples. A epopeia “é um género narrativo cuja origem remonta à Antiguidade. Possuindo um pendor histórico, mas utilizando os mitos fundadores e as lendas de tradição oral, as epopeias clássicas são o registo poético das aventuras de um ou mais heróis que, enfrentando os maiores obstáculos, afirmam a sua grandeza e superioridade, ao mesmo tempo que vehiculam o valores reconhecidos pela comunidade.”. Isto tudo transpira a obra de Camões. Ou melhor, canta. Os Lusíadas têm uma acção épica? Sim. Têm um protagonista? Sim. Começa “in media res”? Sim. Tem uma continuidade, uma unidade de acção? Sim. está dividida em episódios? Sim. Existe uma intervenção divina? Sim. Segue um modo narrativo, em verso? Sim. Está escrito num estilo solene e grandioso? Sim. Está escrito em versos decassillábicos, e em oitavas? Sim.

Agora...

Passa-se o mesmo com A Mensagem? Não. Literalmente, não.

A Mensagem não é uma epopeia. Pode é considerar-se um conjunto de poemas épicos, pois partem de uma fonte histórica, simbólica e mítica. Não é um texto narrativo que apresente uma continuidade, é sim um agrupamento de heróis e momentos que o poeta destaca. Com um objetivo (épico): enaltecer Portugal.

E o seu futuro.

O rei D. Sebastião representou, n’Os Lusíadas, a jovem ilusão de um grande reino, o criador do Grande e Último Império. Desapareceu. E apareceu na Mensagem na forma de um mito por cumprir. Na forma de uma mentalidade e não de uma personagem, pura e simplesmente.

“Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que se espelhou o céu.”

Amanda Baeza, nº3 12ºJ

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