segunda-feira, 10 de março de 2008

DESASSOSSEGADO TEATRO

DESASSOSSEGADO TEATRO. (Em Duas Partes + Um Pano, Frente e Verso)

28.02.2008

Parte 1:

Nunca li Bernardo Soares. Por essa simplíssima razão, não comentarei o espectáculo a partir de, e comparando com o Livro do Desassossego. Mas sim narrarei, pura e simplesmente, as minhas impressões da inquietação do e no teatro, os pensamentos que cruzaram, talvez, a minha mente durante aquilo a que chamamos a Arte da representação dramática.

Sílabas saltavam das palavras proferidas por um Fernando Pessoa com a cara mais triangular. Era suposto quebrarem o silêncio, fazê-lo estalar, lembrar-nos que há bocado não haviam sons, apenas sombras e pensamentos. Ah! Este efeito nem apareceu em palco. Pelo menos eu, e os que me rodeavam, não o vimos, eram tais as desmesuradas gargalhadas galináceas atrás de nós.

Uma voz gutural, cavernosa, acendeu-se acompanhando as luzes.

Um quadro que iria repetir-se no final: um homem sentado na cama, com a cabeça sentada nas mãos, soltando palavras cansadas, sem cadeiras onde se sentarem.

Este homem falará da sua vida falando dos outros. Primeiro o patrão Vasques. O patrão Vasques! Ele é a Vida! Ele! A sua dependência. Depois a sua Ama. Meu amor pequenino... Deus existe?! Quem me dera um colo que me pudesse aconchegar! Meu amor pequenino... agarrava a cama, procurando calor, um abraço, um colo! Que a solidão se transformasse num ser de carne e osso, sinto-me pequeno, uma criança, desamparada, e agarrou alguma coisa aqui dentro, doeu, doeu. Doeu-me. Depois será a vez das Mal Casadas... Atenção casadas e solteiras! Um pedaço, um circo! Um instante que pareceu de outra peça, deve haver aqui um engano! Não. Tem tudo o seu objectivo.

No entanto, senti todos aqueles segundos concentrados numa única frase, que repeti na minha cabeça uma e outra vez, tentando não esquecê-la, puxa, porque é que não trouxe um papel e um lápis? Todas as expressões foram filtradas por ela, todas: melancolia, dor, desespero, solidão! Aqui está ela, talvez distorcida, talvez, sem o original fulgor com que foi pronunciada (tenho de comentar isto: um actor espectacular!! Ele não actua. Ele vive a personagem!): “A Vida mora nesta rua, neste andar! E a Arte! A Arte mora nesta rua! Mas noutro andar...”.

Parte 2:

Não tenho jeito para escrever. Preferia desenhar tudo aquilo que senti nas pontas dos dedos, aquela inteligência infantil de dizer que aquela mancha é aquilo tudo. Que tudo? Tudo! O cenário, os actores, as falas, as luzes, os sons, tudo! Esta mancha é tudo! Que aqui não está, não tentem procurá-la. Estou a tentar enxugá-la com um lenço de palavras.

Apresentação de um Pano Manchado –Frente- :

Castanhos e azuis nocturnos. Muitos. E ocres. Todos muito suaves. O pano é preto. Então como vês as cores? Bem., a luz existe, não? Não me critiques. Isto é difícil.

Um cubo. Dentro, uma cama. Perto, uma alma. E esta coisa aqui? O que é? Uma solidão.

Desce.

Uma cortina: distanciamento. Estava tão perto! Agora afasta-se. Até tinha descolado as costas da cadeira, imitado a inicial posição daquele cujos pensamentos iriam sugar a minha atenção. A única diferença: eu levantava os olhos, enquanto que ele enterrava-os na terra.

Desce.

Mais paredes. Aquele cubo fechava-se cada vais mais em si mesmo. Introvertido. Uma prisão que a alma pisava ébria, indiferente à sua jaula.

Uma caixa. Não uma qualquer... não guarda escuridão! Guarda o negativo desta: luz!

Um espelho. Metade homem, metade mulher. Posso fazer-te uma pergunta? Podes. Ele era bissexual? Não sei. Nunca falei com ele. Pelo que percebi, está a descobrir a sua sexualidade. Está a falar de amor.

E agora? E agora quê? Continua! Shiu... Observa, e ouve. Também tens música nesse pano? Também.

Sobe.

Sobem as paredes. Que alívio. O cubo abre-se. O quarto abre-se. A alma fecha-se.

Sobe.

Sobe o plástico. Tudo regressa. Aquela primeira imagem, quando ouvi o primeiro grito.

Apresentação de um Pano Manchado –Verso- :

Fernando Pessoa. Não pares. Senão Soares desaparece.

No palco, três personagens. Pessoa, escrevendo, fazendo música, enchendo o vazio sonoro de símbolos musicais, códigos de ouvido. Iluminando o espaço, brincando com focos e palavras. Interagindo com todos, no seu canto, invisível.

Soares, a alma aprisionada na solidão.

E aquele indivíduo sentado do outro lado, talvez um reflexo de Fernando Pessoa, que lhe fechou o quarto. Que o separou de nós! Quem é ele? Não estava lá só para puxar cordas. Ele tinha mais algum papel. Senão, não estaria iluminado...

Não tinha rosto. Gestos, nenhuns. Correcção. Tinha sim, mas mecânicos. Não dava música, não oferecia luz, não cuspia palavras. Nem uma letra... no entanto, parecia um segundo Pessoa! Será confusão minha? Será ignorância minha? Estará a minha mente cega, agora?

Seja lá o que for, permanece uma mancha no verso do meu manto. Não é invisível. Só não tem cor. Mais um mistério.

É o que dá sal à comida...

Amanda Baeza, 12ºJ, nº3.

Finalizado: 08.03.2008

O discurso final, dedicado a nós, alunos, emocionou-me. Obrigada. Foi um belíssimo espectáculo.



Observação da professora: ao contrário do que afirmas ao início, leste Bernardo Soares, sim. Não leste o Livro do Desassossego na íntegra, mas lemos vários textos dele durante a visita de estudo à Lisboa Pessoana. Acho que até tenho fotografias tuas a lê-lo... :-) Bom, admito que estivesses a ler o ortónimo ou um heterónimo, mas houve quem lesse B Soares. Se quiseres recordar alguns textos, estão aqui no blog, foram todos publicados. Procura no marcador "visitas".

Um comentário:

Anônimo disse...

É verdade :) agora me recordo, até fui eu quem leu um excerto do livro... ups! no entanto, referia-me ao livro todo :)