quinta-feira, 13 de março de 2008

Textos vários


Reflexões de Alberto Caeiro no duche

A manhã acordou-me solarenga. Os quentes raios de sol espreitam sobre a minha cabeça, e o calor na minha pele fez-me saborear o acordar.

Envolvido na natureza constante em mim, entrei na banheira com o gosto dos pés descalços sobre a pedra arrefecida pela noite.

Rodo a torneira, sabendo que a água fria me fará abrir mais os olhos, e assim me fará pensar. Pois os meus pensamentos são o reflexo do que vejo, e ao ver, sinto.

O rodar é automático, o automatismo é não ter de compreender, não ter de ponderar. É o meu pensar.

Os meus sentidos absorvem a eterna novidade do que vejo, do que sinto…

Não ambiciono nada neste início de dia. Apenas olho, sentindo o mundo ao meu redor, o espaço envolvente…

A água cai, cai sobre a palma da minha mão, vejo-a, sinto-a, e assim sou feliz como a água corrente, que traça o seu percurso num incansável passeio.

É esta a verdade, sinto-a sem qualquer ambição ou questão.

Alberto Caeiro

(Marta Romão nº19 – 12ºJ)

UM TEXTO À ÁLVARO DE CAMPOS INSPIRADO NUM CONTO DE ITALO CALVINO

A bomba de gasolina.

É isto, é o fim!

Acabei de chegar ao fim da vida, à decadência de tudo aquilo que sempre defendi, à volta do qual eu girava…!

Não quero abrir a porta do carro… Não quero sair de dentro do que resta do mundo…

A civilização industrial, o fervor da modernidade, a exaltação da máquina, a vida!

Respiro fundo, absorvo o cheiro deste combustível da máquina que consequentemente é o nosso combustível!

E com suores frios a percorrerem-me o corpo e a mente a minha mão trémula abre a porta!

O “click”, o clique mecânico, um clique que parece seguido de um vácuo, que é o de me afastar da máquina, do meu carro, do motor de toda uma sociedade.

Tomara gastar-me tal como as últimas gotas do depósito. Fervosamente, alucinadademnte correr, à maior velocidade, apenas correr! E depois… acabávamos, os dois, finitos após o apogeu da velocidade, da alucinação fervosa.

Mas quem ferve sou eu. Sou eu que febrilmente atropelo todos os meus pensamentos uns sobre os outros.

É isso. Vou correr até ambos nos acabarmos! Veloz e furiosamente como símbolo desta civilização que assim mesmo foi! É isso!

Não, não… é impossível não sentir a melancolia do fim, do último combustível que agora insiro…

Rrrrrrr, rrrrrrrr! Como rodas dentadas a rasparem umas nas outras, o ruído raivoso insere também a fúria em mim.

Entro de novo no carro, entro para a eternidade. Para a perduração desta civilização em mim, é aqui que quero estar.

Acelero estrada fora! O ponteiro vai subindo e o ruído aumenta…! Avante! Avante ambos até ao fim, até sempre, Homem e máquina. Civilização e industrialização. Ambos na derradeira estrada de um fim conjunto.

Álvaro de Campos

(Marta Romão nº19 – 12ºJ)

UM MURO RESPONDE A ALBERTO CAEIRO

Que penso eu da tua sombra? Ora como elemento integrado na natureza que sou, não penso… sinto-a. Uma sombra fria que se recorta no branco de mim. Definida, por vezes tão estática… Saboreio-a como o refrescar-me do sol que absorvo… No entanto, às vezes penso nela… Fui construído pelo homem, nunca serei pura natureza, e por vezes questiono-me porque será ela negra? Porque será que a luz adquire essa tonalidade? Mas reprimo também. Quero apenas sentir a sua frescura.

Felizmente Há Luar! : Teatro Épico

A peça Felizmente Há Luar! Adquire características de teatro épico. Dentro da categoria de drama narrativo, podemos defini-la como tal. Na linha do texto teatral com referências dos estudos de Brecht, expõe o poder político, de modo a ser analisado e criticado pelo espectador. É usada a técnica do distanciamento, existe um certo afastamento, que não tenta absorver o espectador, mas sim levá-lo a observar exteriormente, de modo a que o público reflicta sobre o que é retratado e tome posição querendo agir. O carácter épico, é o de ter como objectivo levar o espectador à acção, ao tomar partido e atitude, após uma análise e reflexão crítica. Expondo o poder político, e dando primazia aos sentimentos das personagens representativas da acção que deve ser tomada, valoriza-se o homem e as suas acções. O homem +e um ser que temo direito e o dever de mudar o mundo em que vive. Lutar pela mudança e defesa dos seus ideais. Deve também ser referida a intemporalidade da peça, que mais do que uma representação das invasões francesas, e do movimento liberal oitocentista, bem como da alusão ao regime ditatorial de Salazar, remete para a opressão, tirania, repressão dos direitos do homem, presentes em qualquer época. Bem como da existência de personagens como Matilde de Melo e o General Gomes Freire de Andrade, que lutam sempre pela defesa dos seus ideais, e da liberdade.


(Marta Romão nº19 – 12ºJ)

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