segunda-feira, 31 de março de 2008

A propósito de Saramago e a pontuação:

Do ciberdúvidas da lìngua Portuguesa, transcrevo:


A vírgula de Saramago

[Pergunta] A dúvida vem a propósito do título do texto de José Saramago na 1.ª página de Ciberdúvidas: «Uma língua que não se defende, morre» [cf. Antologia].
Fiquei com a impressão de que nos primeiros dias aquela vírgula não estava lá (o texto de José Manuel Matias na mesma página parece confirmar isso, pois a frase aparece citada sem a dita cuja), mas hoje dei com ela, e fiquei a pensar se não será um caso de «vírgula entre sujeito e predicado».
Tento fazer frases análogas, e sou forçado a concluir que a vírgula está lá a mais:
«Uma língua indefesa, morre»; «Uma língua que se defende, não morre»;
«Uma língua com aftas, dificulta a mastigação».
Estou certo ou errado?
Desta dúvida, passo para outra:
1. «Quem sabe, sabe»;
2. «Quem sabe sabe»;
3. «Quem sabe... sabe».
Quem sabe dizer-me qual é a pontuação correcta neste caso?
Desde já, muito agradeço.

Rui Gouveia :: :: Lisboa, Portugal

[Resposta] 1. Tem toda a razão. A frase do título do artigo de José Saramago tem a vírgula a mais, embora não caiba ao autor a mínima responsabilidade*. É uma oração adjectiva. Se substituirmos «que não se defende» pelo adjectivo «indefesa» também não colocamos vírgula. Pelo seguinte: «uma língua indefesa» é o sujeito da frase; e «morre» o predicado . Todos sabemos que é asneira separar o sujeito do predicado numa oração.
Há quem defenda que as vírgulas servem também para indicar a entoação. Nada mais errado: a vírgula serve só para separar os elementos de uma oração. Mas é preciso saber quais os elementos que se devem separar e os que não se devem separar. Por exemplo, nesta frase: «O meu amigo João resolveu ir passear». Pelo facto de haver uma pausa em João já vi por aí escrito a frase com a vírgula no João («O meu amigo João, resolveu ir passear»). Erro crasso – porque, repito, nunca se separa o sujeito do predicado.

2. A verdade é que a frase de José Saramago não é verdadeiramente essa. O que José Saramago escreveu foi: «Hoje, uma língua que não se defende, morre». E a pontuação de José Saramago está certa pelo seguinte:

a) Temos aqui a seguinte afirmação: «Hoje morre». Nesta afirmação está intercalado o seguinte: «uma língua que não se defende».Uma das funções da vírgula é marcar palavras que se encontram intercaladas. Devemos, pois, aceitar esta pontuação.

b) Não haveria vírgulas se a frase estivesse escrita assim: «Hoje morre uma língua que não se defende». Ou então: «Morre hoje uma língua que não se defende».
NB - Não se põe vírgulas antes do que, porque este pronome relativo introduz uma oração adjectiva. Chama-se adjectiva, porque desempenha a função dum adjectivo. Ora todos sabemos que não se separa o adjectivo do substantivo a que ele se encontra ligado. O mesmo se dá, como se compreende, com uma oração adjectiva.

3. Quanto aos primeiros exemplos referidos pelo sr. Rui Gouveia ele volta a ter toda a razão:

a) «Uma língua indefesa morre» – sem vírgula.
b) «Uma língua que se não se defende morre» – igualmente sem vírgula.
c) «Uma língua com aftas dificulta a mastigação" – também sem vírgula.

4. Finalmente as últimas frases:

a) «Quem sabe, sabe»

b) «Quem sabe sabe»

c) «Quem sabe... sabe»

A frase a) está correcta: deve ter vírgula a separar as formas verbais, porque separam orações diferentes. A segunda está errada e a terceira (com reticências) aceita-se, dependendo do contexto da frase.
Cf. Vírgulas e Pontuação, in Respostas Anteriores



* José Saramago escreveu o seu texto para o Ciberdúvidas sem título. Ao optar pela frase que melhor me pareceu sintetizá-lo («Hoje, uma língua que não se defende, morre»), prescindi do advérbio «Hoje», transcrevendo o resto da frase “ipsis verbis”. Sobre esta querela, cf. Controvérsias.

J.M.C.

Um comentário:

Lucas de Almeida Pontes disse...

É aceito separar com vírgula o sujeito do predicado quando há uma entonação como se referisse em tópicos:
"Onde está a professora?"
"A professora, está doente."